Poemas (LXXIX): «Entre mitos: ou parábola», de Ana Luísa Amaral

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(Capa do libro e vídeo coa poeta Ana Luísa Amaral a falar dos libros da súa vida)
A poeta Ana Luísa Amaral (Lisboa, 1956) estivo en febreiro na Livraria Ciranda (rua da Travessa 7, Compostela) para o lanzamento dos seus dous últimos libros, o romance Ara (Sextante Editora, 2014) e o poemario Escuro (Assírio & Alvim, 2014). Non puiden estar no acto, cuxa presentación foi feita por Carlos Quiroga, escritor e profesor de literaturas lusófonas na Universidade de Santiago de Compostela, de quen fun discente na materia de Literatura Portuguesa.
Porén, con anterioridade xa adquirira ambos e dous libros e ao poemario Escuro pertence o poema que divulgamos hoxe. A profesora Maria Irene Ramalho, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (a quen coñecín en Coimbra e veño de colaborar nun volume de homenaxe aínda inédito por mor de se reformar) recensionou Escuro na Revista Abril – NEPA UFF, que «recebe artigos sobre as Literaturas Portuguesa e as Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa», baixo o título «Quando o lírico interrompe o épico: Escuro, de Ana Luísa Amaral», afirma a respecto deste poema:
«Entre mitos: ou parábola», é de facto uma parábola do primeiro colonialismo europeu, esse que chegou a África, às “margens do Nilo”, e devastou culturas e saberes ancestrais, a viverem no “centro do seu tempo”, para as espoliar e fazer suas. Leia-se o começo do poema.
E velaquí o poema ao completo:
ENTRE MITOS: OU PARÁBOLA
Não sabiam,
os que viviam felizes nas margens do Nilo,
da chegada daqueles que os haviam de reduzir a quase escombros,
nem dos que mais tarde lhes haviam de roubar terras e ideias
e saquear a beleza das pedras em perfeito equilíbrio, e noite e luz perfeita,
à procura das jóias e do ouro e de um conhecimento
que não lhes pertencia.
Não sabiam,
porque viviam no centro do seu tempo,
e o centro do tempo não sabe nunca o que lhe irá ser percurso,
como um rio que corre não conhece a sua foz,
só as margens por que passa e o iluminam, ou ensombram.
E ainda que nas margens do Nilo
não habitassem só os que muito possuíam,
mas também aqueles que pouco tinham de sustento e tecto,
unia-os a todos essa crença de uma paz futura,
de atravessar outras margens e encontrar paz.
Não sabiam o que vinha,
nem ao que vinha a sua história, como não sabem nada
os humanos que habitam este antigo sol azul.
Mas haviam de ter pressentido esse final,
e a alegria dos ciclos e dos aluviões
deve ter sido acompanhada de angústia pela chegada dos exércitos,
que lhes prometiam mais bem-estar e mais paz,
dizendo-lhes que para haver paz e bem-estar eram precisas
alianças e o abandono de crenças e uma história nova
a dizer-se mais útil.
Muito mais tarde,
deles ficaria uma memória a servir livros e mitos,
e o rumor do deserto,
e as perfeitas construções de pedra resistente,
e a sua escrita, bela e útil, que demorou anos a decifrar.
E muito disto não ficou na sua terra, às margens do Nilo,
mas foi roubado, e viajou em navios, por mares diferentes,
até museus e praças de outras cores
onde ganharia outros cheiros e outros sentidos.
Sempre assim parece ter acontecido
com o tempo e a história.
Sempre assim parece acontecer.
A não ser que uma esfinge se revolte
e ganhe voo, como a esfinge de um outro povo,
não às margens do Nilo, mas de um mar
povoado de mitos e pequenas ilhas.
Também não sabe, essa esfinge resguardada em Delfos,
de como irá ser o futuro das coisas e do tempo,
mas sabe da chegada dos que, em nome de um equilíbrio novo,
dizem poder salvar os tempos.
Talvez lhe sejam de auxílio o corpo de leão
e, levantadas, as asas.
E o enigma,
que pouco importa aos donos do equilíbrio,
mas que dizem ser a fonte da poesia.
E é a fonte de onde a carne desperta,
nas margens do humano.
Ana Luísa Amaral, Escuro (Assírio & Alvim, 2014)

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