Poemas (LXXV): [que um nó de sangue na garganta] e outros poemas de Herberto Helder


Herberto Helder (Funchal, São Pedro, 23 de Novembro de 1930 – Cascais, 23 de março de 2015) deixounos onte á idade de 84 anos e son moitas as evocacións e lembranzas do poeta madeirense que hoxe se publican en xornais e revistas da lusofonía, mais tamén europeas ou mundiais, como era de agardar para un dos grandes nomes da poesía portuguesa contemporánea.
Asocio a miña primeira lembranza coas miñas lecturas dos anos oitenta. Non coñecía nada da súa obra cando o citaba o poeta Miguel Anxo Fernán-Vello como un autor básico na súa formación á pregunta que o profesor Luciano Rodríguez Gómez lle facía na antoloxía Desde a palabra, doce voces. Nova poesía galega (Sotelo Blanco, 1996). De feito, varios poetas da denominada Xeración dos Oitenta teñen citado a Herberto Helder como poeta a considerar e algúns deles chegaron a ter relacionamento persoal (como por exemplo testemuñou Manuel Forcadela nun chío no seu twitter).
Porén, para eu me decidir a entrar na súa lectura foi decisiva a entrevista asinada por Xosé Lois García co título «Herberto Helder, no centro do projecto poético», que se publicou na revista Luzes de Galiza, nº dobre 5/6. Inverno-primavera 1987, que tamén incluía unha fotografía do poeta en Nazaré da autoría de Xurxo Lobato. Nesa altura Xosé Lois Garcia asinaba en cada número da revista unha entrevista con algún poeta de sona en lingua portuguesa. A excelente e completa entrevista chegou a ter eco en Portugal e o diario Público reproduciuna por enteiro, aínda que sen a introdución e a sinatura de Xosé Lois García, aproveitando que Herberto Helder viña de publicar a segunda edición da compilación Poesía toda (Assirio & Alvim).
Desa maneira (re)coñecín a Herberto Helder coma un dos grandes poetas portugueses contemporáneos e libros da súa autoría ocupan un lugar sobranceiro nos andeis da miña biblioteca persoal. Entre eles está o seu derradeiro libro A Morte sem Mestre (Porto Editora, 2014) do que acompaño cinco poemas, os mesmos que o autor recita no video da canle youtube. Cinco minutos dunha lectura grata e inesquecible. E ao remate desta anotación reproduzo tamén un documento sorprendente que achei hoxe na rede para proibir (así di en trazo manuscrito) por ter passagens de grande obscenidade un seu libro, por parte dun funcionario da PIDE, a policía da ditadura salazarista.
De primeiras, os cinco poemas.
[que um nó de sangue na garganta]
que um nó de sangue na garganta,
um nó de ar no coração,
que a mão fechada sobre uma pouca de água,
e eu não possa dizer nada,
e o resto seja só perder de vista a vastidão da terra,
sem mais saber de sítio e hora,
e baixo passar a brisa
pelo cabelo e a camisa e a boca toda tapada ao mundo,
por cada vez mais frios
o dia, a noite, o inferno, o inverno,
sem números para contar os dedos muito abertos
cortados das pontas dos braços,
sem sangue à vista:
só uma onda, só uma espuma entre pés e cabeça,
para sequer um jogo ou uma razão,
oh bela morte num dia seguro em qualquer parte
de gente em volta atenta à espera de nada,
um nó de sangue na garganta,
um nó apenas duro
[a última bilha de gás durou dois meses e três dias]
a última bilha de gás durou dois meses e três dias,
com o gás dos últimos dias podia ter-me suicidado,
mas eis que se foram os três dias e estou aqui…
e só tenho a dizer que não sei como arranjar dinheiro para outra bilha,
se vendessem o gás a retalho comprava apenas o gás da morte,
e mesmo assim tinha de comprá-lo fiado,
não sei o que vai ser da minha vida,
tão cara, Deus meu, que está a morte,
porque já me não fiam nada onde comprava tudo,
mesmo coisas rápidas,
se eu fosse judeu e se com um pouco de jeito isto por aqui acabasse nazi,
já seria mais fácil,
como diria o outro: a minha vida longa por muito pouco,
uma bilha de gás,
a minha vida quotidiana e a eternidade que já ouvi dizer que a habita e move,
não me queixo de nada no mundo senão do preço das bilhas de gás,
ou então de já mas não venderem fiado
e a pagar um dia a conta toda por junto:
corpo e alma e bilhas de gás na eternidade
– e dizem-me que há tanto gás por esse mundo fora,
países inteiros cheios de gás por baixo!
[queria fechar-se inteiro num poema]
queria fechar-se inteiro num poema
lavrado em língua ao mesmo tempo plana e plena
poema enfim onde coubessem os dez dedos
desde a roca ao fuso
para lá dentro ficar escrito direito e esquerdo
quero eu dizer: todo
vivo moribundo morto
a sombra dos elementos por cima
[Se um dia destes parar não sei se não morro logo]
Se um dia destes parar não sei se não morro logo,
disse Emília David, padeira,
não sei se fazer um poema não é fazer um pão
um pão que se tire do forno e se coma quente ainda por entre as linhas,
um dia destes vejo que não vou parar nunca,
as mãos súbito cheias:
o mundo é só fogo e pão cozido,
e o fogo é o que dá ao mundo os fundamentos da forma,
pão comprido nas terras de França,
pão curto agora nestes reinos salgados,
se parar não sei se não caio logo ali redonda no chão frio
como se caísse fundo em mim mesma,
a mão dentro do pão para comê-lo
– disse ela.
[meus veros filhos em que mudei a carne aflita]
meus veros filhos em que mudei a carne aflita
com o arrepio a que chamam alma,
e a luz com nome desconhecido,
filhos vivos à força de dor e condição escrava,
vivos como quem espera um dia para morrer mais,
ou mais depressa,
ou mais devagar como sempre acontece a quem ainda espera:
poemas
diria eu de rabo escondido com o gato de fora,
ao vapor de verão no ar aonde entram as pessoas,
e os gatos misteriosamente dormem e acordam,
e entre sono e vigília sonham acaso as suas gatarias,
poemas como gatos sem casa ao sabor
uns dos outros,
estio e inverno agora no mundo
libérrimo, dificílimo,
gataria de poemas: sem dono e sem peixe certo:
só a chuva e o bom tempo
e o amor e o ódio impetuosos uns aos outros:
poemas quando se vai com a mão
e bufam e arranham logo
Herberto Hélder
A Morte sem Mestre (Porto Editora, 2014)
E velaquí o documento da PIDE:
HerbertoHelder

Esta entrada foi publicada en Historia, Memoria Literaria, Obituarios, Poesía, Política. Garda a ligazón permanente.